Morreu Bento da Cruz, considerado o expoente máximo da literatura barrosã.
Médico, escritor e jornalista de 90 anos faleceu ontem no Porto devido a doença prolongada. A autarquia de Montalegre decretou luto municipal. O funeral realiza-se hoje pelas 17h em Peirezes, a aldeia onde nasceu. A Câmara Municipal de Montalegre distinguiu este Barrosão com a Medalha de Mérito (ouro) no feriado municipal de 1991 (na foto abaixo) e, em 2009, assinalou os seus 50 anos de vida literária, num dia repleto de atividades, que fica marcado pela apresentação do seu último romance: "A Fárria".
Bento da Cruz (1925 - 2015)
Bento da Cruz ficará, para sempre, na memória do povo de Barroso. Homem multifacetado, deixou marca na medicina, na política, na literatura e na cultura, causas que vão permanecer no tempo, imortalizadas pela reconhecida "obra" que construiu ao longo de nove décadas.
"Enterrem-me na Serra da Ilusão
Em cujos píncaros e faldas
Cai neve, beijos, esmeraldas,
Para que do meu podre coração
Nasça uma fonte de água abençoada
Que mata a sede e cure a bicharada"
In "Hemoptise", Coimbra, 1959
Filho e neto de lavradores, nasceu em Peirezes, localidade do concelho de Montalegre, a 22 de fevereiro de 1925. Até ingressar na escola claustral de Singeverga (1940) - dirigida por monges beneditinos - trabalhou na lavoura. Seis anos depois, após o noviciado, abandonou de livre vontade a vida religiosa. O ano de 1948 ficou marcado pelo seu ingresso na faculdade de Medicina de Coimbra. Terminada a vertente académica, Bento da Cruz trabalhou em Barroso na década de 50 e 60. Em Montalegre, nos Pisões, na Borralha e na Vila da Ponte desempenhou funções na área da clínica geral e da estomatologia. Em 1971, fixou-se no Porto. Após o 25 de abril, fundou o jornal "Correio do Planalto", um quinzenário regionalista, que dirigiu hoje.
Bento da Cruz foi deputado da Assembleia da República e é patrono da escola secundária da vila de Montalegre. A sua obra literária foi alvo de várias edições e alguns prémios: - PLANALTO DE GOSTOFRIO (anterior PLANALTO EM CHAMAS – romance, 1963) – romance – 1982 – (2ª edição – 1992) – conta a história de Toninho e da sua prima Carolina, a par da história da família dos Marinheiros e do povo de Gostofrio (prefácio de Óscar Lopes); - O LOBO GUERRILHEIRO (anterior AO LONGO DA FRONTEIRA – romance, 1964) – romance – Prémio Literário "Diário de Notícias", Prémio de Literatura (Ficção) da Sociedade Portuguesa de Escritores Médicos. Traduzido para galego: Edicións Xerais de Galícia, 1996. (2ª Edição – 2001, 3ª edição - 2014) – relata a história de André Lobo e do seu amor por Consuelo, guerrilheira antifranquista, entrecruzando-se histórias de contrabando e de guerrilheiros da Guerra Civil Espanhola;
- FILHAS DE LOTH – romance, 1967 (4 edições, a última em 1993 – Círculo de Leitores) – história da professora Maria José, da sua amiga Lua e do padre Bino; - CONTOS DE GOSTOFRIO – 1973 – Prémio "Fialho de Almeida" (2ª edição – 1993, 3ª edição - 2011)– contos sobre figuras da nossa terra (com prefácio de Urbano Tavares Rodrigues); - HISTÓRIAS DA VERMELHINHA – Contos de tradição oral de Barroso – 1991 (2ª Edição – 2000) – histórias "picantes" (daí da vermelhinha) onde surgem as figuras e temas picarescos (padres, crítica social, galegos, eróticas); - VICTOR BRANCO – Escritor Barrosão – Vida e Obra, Prémio Literário de Investigação da Câmara Municipal de Montalegre, 1995; - O RETÁBULO DAS VIRGENS LOUCAS – romance – Prémio Literário (Ficção) da Câmara Municipal de Montalegre – 1996 – narra a história de vida da Picholeta, uma vida de sobrevivência e de amor pelo Zé Caixeiro, e das argolas oferecidas à Senhora do Pranto que afinal valiam cem contos, cento e vinte, o que fica a saber quando assiste ao leilão durante uma romaria. Só então percebeu "o abismo da sua miséria, raras vezes gozara de cem escudos na algibeira, ela que quase vira os filhos mortos de fome"; - HISTÓRIAS DE LANA-CAPRINA – contos – 1998 (2ª edição – 1999) – figuras típicas de Barroso e usos e costumes; - GUERRILHEIROS ANTIFRANQUISTAS EM TRÁS-OS-MONTES – História – 1ª Edição – 2003, 2ª Edição – 2005; - A LOBA – romance, "Prémio Eixo Atlântico de Narrativa Galega e Portuguesa" de 1999 e "Prémio Arzobispo Juan de San Clemente" na modalidade " A melhor novela em galego do ano 2000", 1ª Edição – 2000, 2ª Edição – 2000, 3ª Edição – 2001 – história da Rufina que vai servir para casa dos Pereiras. Aí casa e aí descobre a Loba... história de violência e crueldade, mas também de solidariedade, coragem e amor; - A LENDA DE HIRÃN E BELKISS – Novela, 2005 – história de David que, tendo conquistado muitas cidades e províncias, chegou a rei de Israel. Como era um grande pecador, resolve construir um grande templo para acolher a Arca da Aliança. Aí surge a história de amor entre Hiran, mestre de obras, e Belkiss, rainha de Sabá; - PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso, 2007, 2ª Edição – 2008; - PROLEGÓMENOS II – Crónicas de Barroso, 2009, 2ª Edição – 2010; - BOI DO POVO E OUTROS TEXTOS - 2009 - A FÁRRIA – romance – 2009 – história de Silvério Silvestre que, estando muito doente e hospitalizado, confessa a sua vida ao narrador. Esta personagem relata a sua atribulada vida amorosa com Senhorinha, filha de um lavrador rico, a par da história do minério que era explorado nas minas da Borralha; Referência, ainda, para a obra "Hemoptise", em poesia, escrita em 1959, sob o pseudónimo Sabiel Truta. (homenagem escrita da autarquia de Montalegre)